domingo, 31 de maio de 2009

A Ortodontia, a Reabsorção Radicular e a Endodontia




Legenda:
1- Radiografia periapical inicial
2- Radiografia periapical (etapa desobturação)
3- Radiografia periapical (hidóx. cálcio + resíduos guta-percha)
4- Radiografia periapical (limas K em posição)

Comentário:Este caso encontra-se em tratamento e foi um achado radiográfico quando da realização de radiografias periapicais do tratamento endodôntico do dente 23, em que apareceu parte do dente 21 mostrando uma área radiolúcida apical.
Realizada a radiografia ortoradial para o dente 21, ao primeiro olhar para a radiografia inicial (1) deste caso e ao exame clínico, era possível a seguinte conclusão: é um incisivo central que está em tratamento ortodôntico, com necessidade de um retratamento endodôntico, que apresenta uma restauração radiolúcida nas faces mesial e palatina, uma reabsorção radicular apical, nenhuma sintomatologia e nenhuma alteração dos tecidos moles (gengiva e mucosa alveolar). Deve ser fácil retratá-lo, pois o material obturador do canal aparenta estar mal condensada. “Rapidinho termino este caso”, era o que eu imaginava. Muitos que observarem esta radiografia inicial devem ter o mesmo pensamento.
Subestimei aquela área radiolúcida na face lateral (mesial) da raiz, até que, ao radiografar para acompanhar e avaliar a etapa de desobturação do conduto radicular (2) foi possível verificar que havia, também, uma reabsorção radicular lateral comunicante e que a reabsorção apical mostrava-se muito mais pronunciada do que na radiografia inicial. Além da radiografia inicial feita na posição ortoradial, este caso exigia que fosse realizada também exposições radiográficas nas posições disto e mesioradiais, pois assim poderia ter um visão mais próxima do real problema. Uma tomografia deste dente seria o mais adequado para avaliação tridimensional da extensão das áreas de reabsorção.
Ainda nesta radiografia de avaliação da etapa de desobturação (2) , é possível observar que uma pequena porção de guta-percha penetrou na área de reabsorção, o que reforçava o diagnóstico de reabsorção inflamatória comunicante.
Feita a completa desobturação do canal e inúmeras tentativas de remoção daquele resíduo de guta-percha de dentro a área de reabsorção, bem como da remoção do tecido patológico que ocupa o local da reabsorção, o mesmo foi preenchido com hidróxido de cálcio (3) , tentando-se levar o hidróxido de cálcio para dentro da área de reabsorção, o que não foi conseguido.
Neste tipo de situação, onde a remoção mecância do tecido patológico é de difícil execução, é imprescindível o uso do hidróxido de cálcio que, através da sua ação química de contato com o tecido patológico ajuda a promover a eliminação deste tecido de granulação e dos microorganismos que lá se encontram. Ou seja, aquela área de reabsorção radicular que por si só já apresentava uma enorme dificuldade de limpeza (presença de tecido de granulação, células clásticas em atividade, lacunas de reabsorção que alojam bactérias), aquele pedacinho de guta-percha só iria dificultar ainda mais o processo de limpeza e desinfecção daquela área.
Passados alguns dias, a queixa de “dolorido” quando da palpação apical era a manifestação clínica de que aquela área de reabsorção não havia sido limpa adequadamente, o que pôde confirmar-se ao remover o curativo de hidróxido de cálcio e ocorrer a drenagem de secreção sanguinolenta do canal. Foi feita nova limpeza do canal, tentando-se debridar o local da reabsorção (a remoção do tecido patológico provoca sangramento por se tratar de tecido vivo, tecido de granulação) ao mesmo tempo em que tentava remover aquele resíduo de guta-percha. A radiografia periapical (4) mostra uma lima K50 em posição no canal e uma lima K10 na área de reabsorção, onde era tentado uma efetiva limpeza daquele local. O canal foi novamente preenchido com hidróxido de cálcio e estou no aguardo do retorno do paciente.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Anatomia interna de um pré-molar inferior e suas variações anatômicas




Legenda:
1- Radiografia periapical inicial
2- Radiografia periapical final
3- Radiografia periapical proservação (após 3 anos e 7 meses)

Comentário:
O principal objetivo de um tratamento endodôntico é a eliminação total ou redução significante das bactérias e seus bioprodutos em polpas desvitalizadas. A deficiência ou incapacidade em remover estes microorganismos do sistema de canais radiculares contribui para o insucesso do tratamento.
A anatomia interna dos dentes e a morfologia atípica (canais laterais, canais acessórios, curvaturas, istmos, etc...) de muitos canais radiculares, alguns com verdadeiras aberrações anatômicas, tornam a completa limpeza dos canais praticamente impossíveis.
O caso apresentado ilustra uma situação em que o paciente chegou para o tratamento endodôntico com a abertura coronária já realizada para que ocorresse drenagem de uma abscesso periapical sintomático.
Analisando a radiografia inicial (1), é possível verificar a presença de um canal único que bifurca-se no final do terço médio e início do terço apical. A imagem do canal radicular que abruptamente desaparece é forte indicativo de que naquele ponto existe uma bifurcação do canal radicular (seta) .
Essas bifurcações no terço apical destes dentes trazem enorme dificuldade para a sua localização, limpeza/modelagem e posterior obturação. Seja em dentes com polpas viva ou com polpas necrosadas, todas as etapas do tratamento endodôntico tornam-se de difícil execução, tornando o prognóstico bastante duvidoso principalmente com os casos de infecção da polpa.
Apesar da dificuldade de execução da limpeza mecânica daquela bifurcação do canal, com o emprego das limas, ficou constatado que houve a limpeza através da ação química das soluções irrigadoras com o conseqüente preenchimento daquela bifurcação pelo material obturador – cimento/guta-percha (2).
Através da radiografia periapical de proservação (3), realizada 3 anos e 7 meses após a conclusão do caso, ficou demonstrado que houve o completo reparo daquela rarefação óssea apical.
Este caso exemplifica: 1- a importância da ação química das soluções irrigadoras no processo de limpeza do sistema de canais radiculares; 2- a importância do emprego de técnicas de obturação dos canais através da termoplastificação da guta-percha; 3- o pré-molar inferior pode apresentar uma bifurcação no terço apical e causar-lhe uma tremenda dor de cabeça!

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Uma emergência, um Dentista cansado e um erro de diagnóstico.


Legenda:
1- Radiografia periapical inicial dente 27 (trazida pelo paciente)
2- Radiografia periapical inicial dente 27 (marca da colgadura em cima do ápice radicular)
3- Radiografia periapical inicial dente 27 (esta sim, ficou ok!)
4- Radiografia periapical inicial dente 35

5- Radiografia periapical final dente 35

Comentário:
Lembro-me que estava prestes a finalizar o expediente no consultório, já no período noturno, quando telefonam informando que estava sendo encaminhada uma paciente que sentia muitas dores em um molar superior, que já havia sido tratado endodonticamente.
Após realizar os questionamentos básicos de anamnese que aquela situação exigia, a paciente deixava claro que o dente causador daquelas fortes dores era o segundo molar superior esquerdo (27), inclusive apontando com o seu dedo indicador sobre o referido dente.
A radiografia periapical (1) que a paciente trouxe consigo não permitia visualização adequada do dente e das estruturas periapicais vizinhas ao dente suspeito: imagem clara e com sobreposição do processo zigomático aos tecidos periapicais.
Realizada uma nova radiografia periapical (2) , tive o “cuidado e a precisão milimétrica” de colocar a ponta da colgadura em cima da imagem do ápice radicular do dente suspeito! E a paciente sentindo dores, clamando para que fizesse rapidamente a intervenção para debelar aquela dor que ela dizia ser insuportável. Mas infelizmente eu teria que repetir a radiografia periapical, para que assim pudesse avaliar de maneira adequada as estruturas periapicais do dente 27.
Após esta nova exposição radiográfica (3) , foi possível visualizar apenas uma lesão de cárie na face interproximal distal, sob a restauração de amálgama. Quanto as estruturas periapicais, tudo dentro de um padrão de normalidade. Teria aquela lesão de cárie permitido a contaminação bacteriana da obturação endodôntica e assim ocasionado uma provável infecção periapical para estar causando toda aquela dor? Era o que eu começava a suspeitar.
Não havia presença de edema, e aos testes de percussão vertical e palpação apical realizados no dente 27 a dor era exacerbada. A paciente pedia “pelo amor de Deus” que o seu dente não fosse mais tocado e que gostaria que eu começasse logo a “tirar aquela dor”, pois segundo ela, estava aumentando a intensidade e ficando uma dor “desesperadora”. Tarde da noite, uma paciente quase a chorar de dores e um dentista cansado: ingredientes perfeitos para induzir a um erro de diagnóstico. E foi isso que aconteceu.
Imaginei tratar-se de um caso de periodontite apical sintomática de origem infecciosa, ou quem sabe um abscesso periapical em fase inicial? Com esse diagnóstico estabelecido, anestesiei o dente 27, e a paciente relatou um grande alívio. Iniciado a remoção da restauração/núcleo de amálgama, a paciente voltou a acusar dor. Anestesiei novamente e as dores cessaram. Reiniciado a etapa de remoção do núcleo de amálgama, sou surpreendido mais uma vez com a paciente queixando-se de dores! Muito estranho isso, não acham?
Era muita dor pra uma paciente só! Alguma coisa estava errado; eu só podia estar realizando a intervenção no dente errado.
Apesar de não observar nenhuma alteração clínica nos dentes inferiores antagonistas, que justificasse a realização de um exame radiográfico destes dentes, ainda assim resolvi fazer uma radiografia periapical (4) .
Bingo! Para a minha felicidade e, mais ainda para a paciente, estava lá o dente causador de toda aquela dor: o 2° pré-molar inferior esquerdo, em que a imagem radiográfica mostrava extensa lesão cariosa sob a restauração de amálgama cl.II DO. Mais alguns testes e chegara a um diagnóstico preciso e definitivo: pulpite irreversível sintomática, provocando dor reflexa no dente 27. O resultado final é possível observar na radiografia periapical (5) que mostra o dente 35 já tratado endodonticamente.
Quando se tratar de emergências que envolvam pacientes sentindo dor, acreditem em tudo o que ele falar e ao mesmo tempo duvidem de tudo aquilo que ele afirmar!

sábado, 9 de maio de 2009

O canal do incisivo central superior é reto?







Legenda:
1- Radiografia periapical inicial 17/02/2007
2- Radiografia periapical (destaque para o desvio/degrau)
3- Radiografia periapical (destaque para a curvatura do canal)
4- Radiografia periapical final 03/03/2007

Comentário:
“Fazer canal de incisivo é fácil!”. Este falso conceito a respeito dos incisivos centrais, inicia-se ainda nas primeiras aulas teóricas de anatomia endodôntica e na maioria dos livros que servem de referência para o estudo da anatomia dos canais radiculares, perpetuando-se esta idéia nas aulas práticas realizadas em dentes extraídos até chegar aos atendimentos clínicos com pacientes.
Durante toda a trajetória acadêmica aprendemos que os canais dos incisivos centrais superiores são retos e amplos e, portanto, fáceis de serem tratados ou retratados, até que nos deparamos na clínica com pacientes a serem submetidos ao tratamento endodôntico e aí descobre-se que tratar de incisivos não é tão fácil quanto possa parecer.Por que será?
Mas não disseram que o canal é reto, amplo e fácil? Por que têm-se dificuldades ou não se obtém sucesso no tratamento de alguns casos? Por que existem muitos incisivos centrais com necessidade de retratá-los? Por que acontecem iatrogenias nestes dentes?
Na maioria das vezes os canais são realmente retos (se for rigoroso, nenhum canal é reto!) e não apresentam nenhuma dificuldade em acessá-los e tratá-los adequadamente.
Além de avaliar se o canal é reto ou não, na radiografia inicial pré-operatória deve-se avaliar a inclinação do dente, assim como esta avaliação quanto ao grau de inclinação do dente deva ser feita examinando o dente no local, ou seja, em que inclinação encontra-se o dente na boca do paciente para que se obtenha uma correta orientação da abertura coronária.
Verifiquem num caso clínico que apresentei aqui no Blog recentemente (http://endodontiaavancada.blogspot.com/2009/04/perfuracao-radicular-apicetomia-com.html), onde o incisivo central era reto, o canal reto, mas a sua posição/inclinação na arcada não seguia o padrão “reto”, o que ocasionou uma perfuração radicular numa tentativa de desobturar o canal sem que fosse verificado o grau de inclinação do dente.
O caso apresentado acima mostra uma situação em que no dente 21 a coroa e raiz não seguiam o mesmo alinhamento no sentido longitudinal, bem como a raiz e canal eram curvos. Isto provocou dificuldades para que o profissional executasse o correto acesso ao canal radicular. Percebam que o dente 11 apresenta o famoso padrão de incisivo central: reto.
A não observação dos detalhes da anatomia radicular curva, bem como a não verificação do grau de inclinação do dente na arcada dentária levou a ocorrência de remoção excessiva de estrutura dentária, formação de desvio no canal radicular e por muito pouco não provocou uma perfuração na face vestibular da raiz.
Criar mentalmente uma visualização tridimensional da posição do dente na arcada é item importante para que possa dar início ao acesso coronário sem correr riscos de fazer desgastes excessivos da estrutura dentária, que podem resultar em perfurações. E lembrem-se: nem sempre os incisivos centrais superiores são retos!

sábado, 2 de maio de 2009

A idade do paciente contribuindo para o rápido reparo de uma lesão apical







Legenda:
1- Radiografia periapical inicial 03/04/2006
2- Radiografia periapical odontometria 06/04/2006
3- Radiografia periapical hidróx. cálcio 27/04/2006
4- Radiografia periapical hidróx. cálcio 29/05/2006
5- Radiografia periapical prova dos cones 03/07/2006
6- Radiografia periapical final 03/07/2006
7- Radiografia periapical proservação 19/04/2007

Comentário:
No dia 03/04/2006 a criança compareceu ao consultório para realização de tratamento endodôntico, na oportunidade em que o responsável legal pela criança informara que em dezembro/2005 havia sido realizado um “tratamento de emergência para alívio das dores”.
A imagem radiográfica inicial (1) mostrava rarefação óssea apical na raiz mesial e sugeria que havia sido realizado procedimento de pulpotomia, mas ao remover o selamento provisório foi encontrado um chumaço de algodão e as entradas dos canais radiculares totalmente acessíveis e com as polpas radiculares necrosadas.
Foi instituído os procedimentos de limpeza e modelagem dos canais radiculares após realização da odontometria (2), seguida do preenchimento dos canais radiculares com hidróxido de cálcio. A intenção inicial com o uso da medicação intracanal à base de hidróxido de cálcio era promover a descontaminação dos canais e favorecer o fechamento apical das raízes, pois os foramens apresentavam-se amplos e isto poderia dificultar a etapa final de obturação dos canais radiculares.
Com apenas 21 dias do início do tratamento (3) e para a minha surpresa, foi possível observar radiograficamente que a rarefação óssea apical já apresentava sinais de reparação óssea em fase avançada.
Após 53 dias de iniciado a terapia endodôntica (4) já se observava a quase totalidade da reparação óssea apical, optando-se então por realizar-se mais uma troca da medicação intracanal e aguardar por mais um tempo para que fosse feita a obturação definitiva dos canais. Importante salientar que a rapidez com que se processou a reparação óssea apical, pelo menos radiograficamente, está relacionada com a idade do paciente (uma criança), que apresenta o metabolismo tecidual na sua plenitude. Em pacientes adultos não é comum observar tal ocorrência.
Com exatos 3 meses de iniciado o tratamento endodôntico já era possível visualizar radiograficamente o completo reparo da lesão apical, optando-se então pela conclusão do caso clínico (5 e 6).
Chamo atenção para a obturação aquém no canal distal que, apesar de na etapa da prova do cone de guta-percha estar dentro dos limites de trabalho, durante o momento da obturação deste canal ocorreu o endurecimento parcial do cimento (Sealapex) quando este fora colocado no canal e fez com que o cone de guta-percha não atingisse o limite apical de trabalho conforme havia sido atingido durante a etapa anterior de seleção do cone.
Na radiografia periapical de proservação do caso (9 meses) é possível verificar a normalidade dos tecidos periapicais, bem como a visualização de que houve continuidade da formação radicular da raiz distal com a provável formação de tecido mineralizado fazendo o selamento biológico apical, apesar da obturação deste canal ter ficado um pouco aquém do limite apical de trabalho. O paciente não retornou para continuidade do acompanhamento clínico-radiográfico.